Quando se sabe que o caminho é só um, de nada vale negar. A aceitação e o viver abertamente com ele é um passo que se vai tornando uma parte integrante do ser. Este espaço é uma mera transcrição de uma (trans)mutação em tempo real, num espaço de tempo pré-determinado, que resultará na produção de mais uma loucura. Nesse dia, este trabalho estará realizado e cessará as suas actividades.

Thursday, December 30, 2004

“Nestes dias, nestes dias festivos que se avizinham, sentes que tudo está realmente a mudar.
Sentes que já não és o mesmo, não tens o mesmo entusiasmo que possuías, não telefonas a quase ninguém, não te apetece sair e conversar, preferes permanecer no teu pequeno recanto escuro e quente onde sabes que nada te pode atingir. E sentes-te seguro.
Mas não te iludas, é apenas um momentâneo instante de sossego, porque estás num processo de transmutação!”



Este foi um dos muitos comentários proferidos por um louco, o “meu louco preferido”, como costumava dizer a uns amigos. Passei horas a escutá-los, gravar e a fazer pequenas anotações. Ele nada exigia de mim para além de um pouco de atenção.

Wednesday, December 29, 2004

“Um dos passos mais dolorosos nesta caminha, depois de já se ter aceite a sua inevitabilidade é de que os que eram, nunca mais voltaram a ser o que eram. Olhar para eles e compreender que já não fazem parte da sua vida, que vão apagar-se da sua vida, lentamente, é das piores sensações pelos quais se tem de atravessar. Nesse curto espaço de tempo em que lutas por uma possibilidade de manutenção, até teres a certeza que eles não têm espaço na tua vida futura, sentes que não estás numa caminhada mas numa cavalgada de sentimentos que não consegues controlar ou suportar.
Fechaste no teu quarto, isolaste e deixas que uma ligeira depressão vá progressivamente ocupando o teu espaço. Nada te apetece fazer, pensar, ouvir, comer…”

Sunday, December 26, 2004

"limite. existe na loucura um prenúncio, chamado consciência, que jamais permite fingir a própria identidade. 3."

Basta olhar com cuidado e ver os sinais.. todos nós caminhamos para ela.. alguns com mais consciência do que outros... e é aí que reside o problema, tentar percebe-la.

Wednesday, December 22, 2004

“Quando o sol te impede a visão e nada consegues ver na direcção dele, o que fazes?
Desvias os olhos e mudas de direcção? Será por medo do desconhecido?

Este caminho que percorro todos os dias também é assim, sempre um passo no desconhecido e como o sol, tapa-me completamente a possível visão do futuro. Como tal, já não ligo a isso, à loucura como fim, isso não interessa, nunca interessou. O que interessa são esses passos que dás no escuro, não tenhas medo. O pior que te pode acontecer é já teres chegado ao fim do caminho.”

Monday, December 20, 2004

“de que te serve caminhar se não estás completamente interiorizado com ela?
Primeiro traça os teus planos, escreve num papel se isso te ajudar, e depois concretiza-os. Só depois é que puderas comprometer-te com o resto, com o que realmente queres, com os outros e neste caso particular com ela … a Loucura.”

Sunday, December 19, 2004

“A primeira etapa é reconhecer. Aceitar o caminho e não resistir, não negar o que é inevitável.
Pelo caminho terás tentações para te demoverem do trilho, vacilarás e pensarás que ainda é possível voltar atrás e voltar a ser normal. Nessas alturas é quando sofrerás mais, pois não aceitas esta tua metamorfose, consideras que não és tu, que mais uma vez estás-te a tornar no que não és e não fazes de ti o que poderias. Vais-te sentir confuso, perdido, sem nenhum rumo, desanimado e até deprimido. Isso é o caminho natural das coisas, da interiorização e materialização da ideia dentro do teu ser. Quanto mais a combates mais ela se entranha. Quanto mais a ignoras mais ela se enraíza. Não existe outro caminho. Eu sei disso.
O tempo de acalmia e paz contigo própria só vai acontecer nos momentos em que não te questionas e te deixas dirigir por essa força maior que ti. Podes não te aperceber mas é quando aceitas o rumo inevitável das coisas na vida e aceitas esse teu caminho sem retorno. Cada passo que dás é na sua direcção, na direcção da loucura.”

Este era o texto que, um dos muitos que conheci, deixou escrito antes de não mais voltar do outro lado do muro e no qual encontrei alguma afinidade com alguma pesquisa que fui realizando para a sua explicação ou pelo menos uma possível compreensão:
“…logo que as coisas encaixam nos devidos lugares; logo que a experiência e a interpretação parecem coincidir, logo que o doente consegue uma “explicação” coerente que deixa de o fazer sentir-se como uma vítima do inexplicável e do incontrolável, os sintomas são geralmente, exorcizados (Eisenberg, 1981:245)”




tudo deu início com uma banal conversa sobre o tempo...

... a falta dele? não é bem isso. a incapacidade de o mover, de o puder comprar.

"Sabes, é a única coisa que não se pode comprar. O tempo. E gostava de puder comprar um pedaço de tempo mas não consigo. Por acaso sabes onde o posso fazer? Será possível?"

Eu encolhi os ombros e continuei a andar e a pensar: "comprar tempo?"

Retirou os phones do ouvido e olhou atentamente para o seu redor. Olhou e olhou e depois disse:
“A vida é uma merda”
Como nunca o via falar fiquei admirado e demorei algum tempo até formular uma pergunta. “Mas porque dizes isso?”
Quando olhei já ele tinha posto os phones no sítio, escutava algum tipo de música aos altos berros e abanava o corpo com um sorriso nos lábios. Nunca mais o vi falar com alguma pessoa.

Saturday, December 18, 2004

"Ouvi na rádio, no outro dia, um político qualquer a falar, e pensei de mim para mim, eu que estou aqui e sou considerado louco, que este senhor, que fala na rádio e tem tempo de antena e é bem visto pela nossa sociedade, é tão louco como eu. Quem é que acredita nele? Será que ninguém vê que ele está louco?" (anónimo)

este discurso, de um louco que nunca cheguei a conhecer, e que ouvi quando ainda muito jovem, nunca me saiu da cabeça e agora, que estudo a evolução para a loucura, os seus passos inexoráveis para ela, vejo que já muitos passaram por isto mas que nunca ficaram classificados como tal.
Agora sempre que oiço algum político na rádio, relembro-me e procuro encontrar essa loucura que parece que ninguém quer reconhecer. Fico atendo e só me riu e concordo com a justa afirmação de um homem que provavelmente era menos loucos que nós que nos encontramos do outro lado da barricada.

Já alguém dizia, num dos muitos textos por onde tenho recorrido neste meu estudo sobre a loucura:
“ Tendo visto com que lucidez e coerência lógica certos loucos justificam, a si próprios e aos outros, as suas ideias delirantes, perdi para sempre a segura certeza da lucidez da minha lucidez.” FP

Friday, December 17, 2004

"Não tenho medo da loucura,
em si,
o que ela é ou será,
porque não a conheço,
mas sim da lucidez,
do cidadão normal" (anónimo desconhecido)