Quando se sabe que o caminho é só um, de nada vale negar. A aceitação e o viver abertamente com ele é um passo que se vai tornando uma parte integrante do ser. Este espaço é uma mera transcrição de uma (trans)mutação em tempo real, num espaço de tempo pré-determinado, que resultará na produção de mais uma loucura. Nesse dia, este trabalho estará realizado e cessará as suas actividades.

Saturday, February 26, 2005

“Isto de ser rotulado como louco tem as suas partes boas. Como já te devem ter dito, a liberdade aqui deste lado é maior. Por outro lado o rotulo deixa marcas impossível de serem ultrapassadas. Por mais lúcido que se seja, da certeza de se ser tão louco como o do lado ou qualquer outro, eles, os do outro lado, nunca nos aceitaram como seus iguais a partir do momento que passamos para este lado. Essa é uma das razões da irreversibilidade deste caminho. Mas meramente aparente porque só te dás conta disso durante o caminho e olhas para o trilho que já percorreste. Quando atinges o seu final nunca te lembrarás de olhar outra vez para trás.”

Friday, February 25, 2005

“Aproximou-se sem eu notar e tocou-me ao de leve no ombro. Virei-me para ele. Ele esperou que eu fizesse por completo esse movimento e disse:
- Posso contar-lhe um segredo?
- Se assim o quiser fazer.
- Sabe, é que há quem diga que sou louco mas eu sei que não o sou. Isso não me importa verdadeiramente porque tenho mais liberdade dentro dela que as outras, as não consideradas como eu. Loucas. E isso enche-me de tristeza.
- A falta de liberdade dos outros?
- Não. Sinto pena deles por não se aperceberem disso e isso os colocar numa prisão diferente da minha, muito mais limitadora em termos de possibilidade de colocação de limites a eles próprios. É como que se não quisessem viver.”

Wednesday, February 23, 2005

“Uma vez um jovem, nem muito jovem nem muito velho, apanhou-me numa das minhas deambulações pelos jardins. Andava eu a falar com as árvores e com as plantas. Quando reparei que esse jovem me observava, obra do acaso nessas situações por normalmente não ligar a nada que esteja há minha volta, disse-lhe:
- Muitos bons dias! Está um belo dia para se falar de peito aberto para com estas plantas que perpetuam o ciclo da vida!
- Só um louco é que fala com as plantas na expectativa que elas o oiçam.
- Quem é que lhe disse que alguém nutria alguma expectativa nesse sentido?
- Então porque fala para elas? Não foi o que acabou de dizer?
- Porque simplesmente me apetece e dá prazer!
- Mas isso é fugir à realidade. É não viver na vida mas fora dela. É fugir dela.
- Será? Achas mesmo isso? Nunca tinha pensado dessa maneira…interessante.
Intrigado com a minha resposta, nada disse durante uns momentos, que me permitiram entrepor uma pergunta:
- Se é uma irrealidade, como diz, falar com as plantas, porque elas nãos nos ouvem, o que eu não afirmo nem nego, então porque é que as pessoas falam umas com as outras?
- Para comunicar! Como é óbvio - disse o jovem com um ar triunfante.
- E acha mesmo que elas o ouvem?
- Como?
- Como é que sabe que elas o escutam?
- Porque elas respondem!
- E o que é que elas respondem?
- Não sei.
- Pois!
- Como?
- E ainda diz que as pessoas que falam com as plantas são as que vivem fora da realidade! As que não vivem a vida.
Virei as costas e continuei a deambular pelo jardim.”

Tuesday, February 22, 2005

"Se calhar a loucura é falar sozinho e não importar que alguém escute" disse eu um dia para mim mesmo. Ninguém me escutou, também não me importei com o facto. Sorri e continuei à mesma o meu passeio pela ruas húmidas da cidade.

Thursday, February 10, 2005

“Aonde me leva esta música que escuto todos os dias para além da loucura eminente de a nenhum lugar ir?” perguntou a si mesmo um louco que me ignorava todos os dias.

“E se este caminho, errante, que escolhi, for no seu fim um ainda maior engano?” respondi uma vez a um louco

“E se a vida continuar a não ter sentido mesmo depois desta fase?” anónimo me disse

“Será loucura dizer que onde gostaria de viver era dentro de uma música?” perguntou-me um dos muitos com que tive a oportunidade de contactar.

“Talvez!” respondi eu enquanto cantarolava uma música dentro da minha própria cabeça.

“Alguns dias acordo e o mundo é-me opaco, fecho os olhos e tento adormecer. O despertador nega-me essa ausência e nunca percebo o porquê.”

Thursday, February 03, 2005

Umas das etapas é a seguinte conclusão:

"Somos todos um pouco insanos e a isso se chama sanidade.A dualidade sao versus insano não é a questão, a questão é mais na perspectiva de tentarmos ou obrigarem a se ser sano, o que quer que isso seja, mesmo quando a pessoa que o diz não é, na sua totalidade, ninguém o é, ninguém o consegue ser.Para além disso, alguns só aceitam alguns tipos de insanidade e o resto é considerado insano, como outras vozes defendem o oposto e outras uma mistura deles and so on ("cada cabeça sua sentença"?).Mas esta conversa é um desvio do essencial, do âmago sobre a loucura que a sanidade encerra. Quem o nega ou o afirma é indiferente. Não o aceitar ou para quem a aceita mas pretende com isso que os outros lhe sejam iguais é que é preocupante. Isto porque qualquer um deles parte do pressuposto que a sua perspectiva é que é a mais sana, e isso existe? Tal como a verdade ou a sua possibilidade, humana, de a conter?"

“De que serve a sanidade se ela apenas encerra dentro dela a sua loucura?”